Vivemos em um mundo exteriorizado, a qual expurgamos a busca pela simplicidade e mergulhamos no profundo desejo obscuro de se auto flagelar no consumismo exagerado e degeneração moral, por isso, o intuito do nosso blog é buscar um olhar mais amoroso do mundo, e através de poemas, podendo resgatar a simplicidade na forma de vivenciar as coisas belas e quem sabe salientar os desejos da alma, e assim buscar o nosso eu interior.

quinta-feira, 8 de junho de 2017

Mascarados



Saiu o Semeador a semear
Semeou o dia todo
e a noite o apanhou ainda
com as mãos cheias de sementes.
Ele semeava tranquilo
sem pensar na colheita
porque muito tinha colhido
do que outros semearam.
Jovem, seja você esse semeador
Semeia com otimismo
Semeia com idealismo
as sementes vivas
da Paz e da Justiça.


Cora Coralina



Análise:

O poema é um incentivo para as pessoas jovens salientar sua capacidade de produzir bons frutos, tendo coragem e astúcia, o jovem deve exaltar o otimismo e o idealismo, e assim plantar a semente da paz e da justiça, o jovem deve manter sua vitalidade sempre viva, pois a pessoa que produz sempre terá a colheita em suas mãos.

Assim eu vejo a vida




A vida tem duas faces:

Positiva e negativa
O passado foi duro
mas deixou o seu legado
Saber viver é a grande sabedoria
Que eu possa dignificar
Minha condição de mulher,
Aceitar suas limitações
E me fazer pedra de segurança
dos valores que vão desmoronando.
Nasci em tempos rudes
Aceitei contradições
lutas e pedras
como lições de vida
e delas me sirvo
Aprendi a viver.



Cora Carolina



Análise: O ser humano vive perante sentimentos conflituosos “o positivo e o negativo”, e durante toda a vida tem que aprender com as dificuldades e aceitar suas limitações para poder se superar e seguir em frente, ainda mais a mulher que tem uma luta diária em meio ao mundo cheio de contradições, e a partir do momento que a mulher aprender com as dificuldades, o viver se tornará mais leve e assim poderá se servir da vida.

Das Pedras





Ajuntei todas as pedras 

que vieram sobre mim. 

Levantei uma escada muito alta 

e no alto subi. 

Teci um tapete floreado 
e no sonho me perdi. 
Uma estrada, 
um leito, 
uma casa, 
um companheiro. 
Tudo de pedra. 
Entre pedras 
cresceu a minha poesia. 
Minha vida... 
Quebrando pedras 
e plantando flores. 
Entre pedras que me esmagavam 
Levantei a pedra rude 
dos meus versos.


Cora Coralina



análise



Neste texto a poetisa reflete sobre sua vida e suas obras, pois ao longo de sua carreira, houve barreiras, calúnias e críticas referente à sua vida, ou seja, ela sempre foi desacreditada por muitos. No entanto Cora juntos todas as pedras que a esmagavam, juntou-as e se edificou firmemente para que as críticas pudessem lhe servir como escadas e ao mesmo tempo semear os jardins com flores no coração de quem lesse seus poemas. 



O Prato Azul-Pombinho




Minha bisavó - que Deus a tenha em glória-
sempre contava e recontava
em sentidas recordações
de outros tempos
a estória de saudade
daquele prato azul-pombinho.

Era uma estória minuciosa.
Comprida, detalhada.
Sentimental.
Puxada em suspiros saudosistas
e ais presentes.
E terminava, invariavelmente,
depois do caso esmiuçado:
“- Nem gosto de lembrar disso...”
É que a estória se prendia
aos tempos idos em que vivia
minha bisavó
que fizera deles seu presente e seu futuro.

Voltando ao prato azul-pombinho
que conheci quando menina
e que deixou em mim
lembrança imperecível.
Era um prato sozinho,
último remanescente, sobrevivente,
sobra mesmo, de uma coleção,
de um aparelho antigo
de 92 peças.
Isto contava com emoção, minha bisavó,
que Deus haja.

Era um prato original,
muito grande, fora de tamanho,
um tanto oval.
Prato de centro, de antigas mesas senhoriais
de família numerosa.
De fastos de casamento e dias de batizado.

Pesado. Com duas asas por onde segurar.
Prato de bom-bocado e de mães-bentas.
De fios-de-ovos.
De receita dobrada
de grandes pudins,
recendendo a cravo,
nadando em calda.

Era, na verdade, um enlevo.
Tinha seus desenhos
em miniaturas delicadas.
Todo azul-forte,
em fundo claro
num meio-relevo.
Galhadas de árvores e flores,
estilizadas.
Um templo enfeitado de lanternas.
Figuras rotundas de entremez.
Uma ilha. Um quiosque rendilhado.
Um braço de mar.
Um pagode e um palácio chinês.
Uma ponte.
Um barco com sua coberta de seda.
Pombos sobrevoando.

Minha bisavó
traduzia com sentimento sem igual,
a lenda oriental
estampada no fundo daquele prato.
Eu era toda ouvidos.
Ouvia com os olhos, com o nariz, com a boca,
com todos os sentidos,
aquela estória da Princesinha Lui,
lá da China - muito longe de Goiás -
que tinha fugido do palácio, um dia,
com um plebeu do seu agrado
e se refugiado num quiosque muito lindo
com aquele a quem queria,
enquanto o velho mandarim - seu pai -
concertava, com outro mandarim de nobre casta,
detalhes complicados e cerimoniosos
do seu casamento com um príncipe todo-poderoso,
chamado Li.

Então, o velho mandarim,
que aparecia também no prato,
de rabicho e de quimono,
com gestos de espavento e cercado de aparato,
decretou que os criados do palácio
incendiassem o quiosque
onde se encontravam os fugitivos namorados.

E lá estavam no fundo do prato,
- oh, encanto da minha meninice! -
pintadinhos de azul,
uns atrás dos outros - atravessando a ponte,
com seus chapeuzinhos de bateia
e suas japoninhas largas,
cinco miniaturas de chinês.
Cada qual com sua tocha acesa
- na pintura -
para pôr fogo no quiosque
Mas ao largo do mar alto
balouçava um barco altivo
com sua coberta de prata,
levando longe o casal fugitivo.

Havia, como já disse,
pombos esvoaçando.
E um deles levava, numa argolinha do pé,
mensagem da boa ama,
dando aviso a sua princesa e dama,
da vingança do velho mandarim.

Os namorados então,
na calada da noite,
passaram sorrateiros para o barco,
driblando o velho, como se diz hoje.
E era aquele barco que balouçava
no mar alto da velha China,
no fundo do prato.

Eu era curiosa para saber o final da estória.
Mas o resto, por muito que pedisse,
não contava minha bisavó.
Dali para a frente a estória era omissa.
Dizia ela - que o resto não estava no prato
nem constava do relato.
Do resto, ela não sabia.
E dava o ponto final recomendado.
“- Cuidado com esse prato!
É o último de 92.”

Devo dizer - esclarecendo,
esses 92 não foram do meu tempo.
Explicava minha bisavó
que os outros - quebrados, sumidos,
talvez roubados -
traziam outros recados, outras legendas,
prebendas de um tal Confúcio
e baladas de um vate
chamado Hipeng.

Do meu tempo só foi mesmo
aquele último
que, em raros dias de cerimônia
ou festas do Divino,
figurava na mesa em grande pompa,
carregado de doces secos, variados,
muito finos,
encimados por uma coroa
alvacenta e macia
de cocadas-de-fita.

Às vezes, ia de empréstimo
à casa da boa tia Nhorita.
E era certo no centro da mesa
de aniversário, com sua montanha
de empadas, bem tostadas.
No dia seguinte, voltava,
conduzido por um portador
que era sempre o Abdênago, preto de valor,
de alta e mútua confiança.

Voltava com muito-obrigados
e, melhor - cheinho
de doces e salgados.
Tornava a relíquia para o relicário
que no caso era um grande e velho armário,
alto e bem fechado.
- “Cuidado com o prato azul-pombinho” -
dizia minha bisavó,
cada vez que o punha de lado.

Um dia, por azar,
sem se saber, sem se esperar,
antes do salta-caminho,
partes do capeta,
fora de seu lugar, apareceu quebrado,
feito em pedaços - sim senhor -
o prato azul-pombinho.
Foi um espanto. Um torvelinho.
Exclamações. Histeria coletiva.
Um deus-nos-acuda. Um rebuliço.
Quem foi, quem não foi?...

O pessoal da casa se assanhava.
Cada qual jurava por si.
Achava seus bons álibis.
Punia pelos outros.
Se defendia com energia.
Minha bisavó teve “aquela coisa”.
(Ela sempre tinha “aquela coisa” em casos tais.)
Sobreveio o flato.
Arrotando alto, por fim, até chorou...

Eu (emocionada) vendo o pranto de minha bisavó,
lembrando só
da princesinha Lui -
que já tinha passado a viver no meu inconsciente
como ser presente,
comecei a chorar
- que chorona sempre fui.

Foi o bastante para ser apontada e acusada
de ter quebrado o prato.
Chorei mais alto, na maior tristeza,
comprometendo qualquer tentativa de defesa.
De nada valeu minha fraca negativa.
Fez-se o levantamento de minha vida pregressa
de menina
e a revisão de uns tantos processos arquivados.
Tinha já quebrado - em tempos alternados,
três pratos, uma compoteira de estimação,
uma tigela, vários pires e a tampa de uma terrina.


Meus antecedentes, até,
não eram muito bons.
Com relação a coisas quebradas
nada me abonava.
E o processo se fez, pois, à revelia da ré,
e com esta agravante:
tinha colado no meu ser magricela, de menina,
vários vocativos
adesivos, pejorativos:
inzoneira, buliçosa e malina.

Por indução e conclusão,
era eu mesma que tinha quebrado
o prato azul-pombinho.
Reuniu-se o conselho de família
e veio a condenação à moda do tempo:
uma boa tunda de chineladas.

Aí ponderou minha bisavó
umas tantas atenuantes a meu favor.
E o castigo foi comutado
para outro, bem lembrado,

que melhor servisse a todos
de escarmento e de lição:
trazer no pescoço por tempo indeterminado,
amarrado de um cordão,
um caco do prato quebrado.

O dito, melhor feito.
Logo se torceu no fuso
um cordão de novelão.
Encerado foi.
Amarrou-se a ele um caco,
de bom jeito,
em forma de meia-lua.
E a modo de colar, foi posto em seu lugar,
isto é, no meu pescoço.
Ainda mais
agravada a penalidade:
proibição de chegar na porta da rua.
Era assim, antigamente.

Dizia-se aquele, um castigo atinente,
de ótima procedência. Boa coerência.
Exemplar e de alta moral.

Chorei sozinha minhas mágoas de criança.
Depois me acostumei com aquilo.
No fim, até brincava com o caco pendurado.
E foi assim que guardei
no armarinho da memória, bem guardado,
e posso contar aos meus leitores,
direitinho,
a estória, tão singela,
do prato azul-pombinho.

Cora Coralina

Análise:
Neste texto a poetisa refere-se a uma questão de memória, pois o poema traz nitidamente uma lembrança de infância, cada detalhe, cada comemoração realizada na casa de seus familiares, e até do momento em que a última peça quebra nas mãos da pobre criança que logo se entrega e diz a verdade, o que lhe custará um preço de carregar está lembranças pelo resto de sua vida. Fazendo com que o leitor remeta as suas histórias de criança. 

A Procura




Andei pelos caminhos da vida.
Caminhei pelas ruas do destino,
procurando meu signo.
bati na porta da fortuna,
mandou dizer que não estava.
Bati na porta da fama,
falou que não podia atender.
Procurei a casa da felicidade,
a vizinha da frente me informou
que ela tinha se mudado
sem deixar novo endereço.
Procurei a morada da fortaleza,
ela me fez entrar: deu-me veste nova,
perfum ou-me os cabelos,
fez-me beber de seu vinho.
Acertei o meu caminho.


Cora Coralina

Análise:
Caminhos de vida: fortaleza , fortuna e felicidade apenas que passa.
só á alma procura o brilho do amor, a beleza profunda compreende o viver.


Minha Cidade



Goiás, minha cidade...
Eu sou aquela amorosa
de tuas ruas estreitas,
curtas,
indecisas,
entrando,
saindo
uma das outras.
Eu sou aquela menina feia da ponte da Lapa.
Eu sou Aninha.
Eu sou aquela mulher
que ficou velha,
esquecida,
nos teus larguinhos e nos teus becos tristes,
contando estórias,
fazendo adivinhação.
Cantando teu passado.
Cantando teu futuro.
Eu vivo nas tuas igrejas
e sobrados
e telhados
e paredes.
Eu sou aquele teu velho muro
verde de avencas
onde se debruça
um antigo jasmineiro,
cheiroso
na ruinha pobre e suja.
Eu sou estas casas
encostadas
cochichando umas com as outras,
Eu sou a ramada
dessas árvores,
sem nome e sem valia,
sem flores e sem frutos,
de que gostam
a gente cansada e os pássaros vadios.
Eu sou o caule
dessas trepadeiras sem classe,
nascidas na frincha das pedras
Bravias.
Renitentes.
Indomáveis.
Cortadas.
Maltratadas.
Pisadas.
E renascendo.
Eu sou a dureza desses morros,
revestidos,
enflorados,
lascados a machado,
lanhados, lacerados.
Queimados pelo fogo.
Pastados.
Calcinados
e renascidos.
Minha vida,
meus sentidos,
minha estética,
todas as vibrações
de minha sensibilidade de mulher,
têm, aqui, suas raízes.
Eu sou a menina feia
da ponte da Lapa.
Eu sou Aninha.



Cora Coralina 



Análise:

Cidades precede sentimentos, vividos na Infância e juventude na velhice,
é seu quintal e ruas, um espaço reconhece o lugar.
dos elementos faz uma cidade de toda vivencia humana de terras sem fim.

Mulher da Vida



Mulher da Vida,

Minha irmã.
De todos os tempos.
De todos os povos.
De todas as latitudes.
Ela vem do fundo imemorial das idades
e carrega a carga pesada
dos mais torpes sinônimos,
apelidos e ápodos:
Mulher da zona,
Mulher da rua,
Mulher perdida,
Mulher à toa.
Mulher da vida,
Minha irmã.



Cora Coralina 



Análise: 
A mulher da vida é sempre desprezada pela sociedade, em todo mundo é sinônimo de ofensas e preconceitos, apesar de tudo, é um ser humano e merece respeito. A mulher busca seu espaço, mostra que não é frágil e corre atrás dos sonhos, sem medo de ser julgada.